⛓️🧠📖 Ignorância como Doutrina: Violência, Preconceito e a Nova Cruzada Contra a Liberdade
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"Quando a ignorância veste túnicas sagradas e empunha a moral como espada, não é fé — é domínio. A nova cruzada não busca salvação, mas controle; e seu maior milagre é transformar preconceito em mandamento."
Se a educação brasileira agoniza, o impacto de sua falência não se limita ao silêncio das bibliotecas vazias ou ao brilho opaco dos livros não lidos. O preço da ignorância é mais alto — e mais sangrento. Quando o pensamento crítico desaparece, o espaço é ocupado por dogmas, preconceitos e discursos de ódio travestidos de "opinião". E assim, sob o pretexto da fé, da moral e da tradição, instala-se uma cruzada moderna contra tudo que é plural, livre e diverso.
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Imagem gerada por IA |
No vácuo deixado pelo raciocínio ausente, prospera a violência. E não apenas simbólica.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, o Brasil registrou mais de 1.400 feminicídios no ano anterior — ou seja, quase 4 mulheres assassinadas por dia apenas por serem mulheres. Além disso, houve um crescimento de 17% nas denúncias de violência doméstica, impulsionado por discursos que naturalizam o controle masculino como sinal de "liderança familiar". A misoginia, legitimada por púlpitos e microfones, ganha força num país onde líderes religiosos ainda pregam que "a mulher sábia edifica o lar" — desde que seja submissa, calada e dependente.
O impacto é ainda mais cruel quando olhamos para a comunidade LGBTQIA+. O Brasil, tristemente, continua liderando o ranking global de assassinatos de pessoas trans e travestis, com 129 mortes registradas em 2023, segundo a ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais). E a intolerância não mata apenas com armas ou agressões físicas: ela mata com exclusão, com a imposição de silêncios, com o apagamento de existências inteiras sob o argumento do “pecado”.
As religiões de matriz africana também seguem sendo alvo de ataques — verbais, simbólicos e materiais. Em 2022, o Ministério dos Direitos Humanos registrou 1.128 denúncias de intolerância religiosa, sendo que mais de 60% dos casos estavam relacionados a práticas afro-brasileiras. Terreiros foram invadidos, imagens foram destruídas, lideranças foram ameaçadas — tudo em nome de uma suposta guerra santa alimentada por desinformação e fanatismo.
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Foto de SALEM. na Unsplash |
As redes sociais, que poderiam ser ferramentas de democratização do saber, foram colonizadas por vozes que confundem volume com autoridade. Cresce a cada dia o número de "podcasters redpill" — homens que se dizem representantes da "masculinidade restaurada", mas propagam ideologias machistas, negacionistas e hostis à diversidade. Seus vídeos acumulam milhões de visualizações, suas frases se tornam virais, suas falas ressoam como mantras entre jovens inseguros e mal-informados.
O que esses microfones transmitem não é informação, mas ressentimento. Eles vendem o medo da perda de privilégios como se fosse luta por direitos. Promovem a pseudociência como liberdade de expressão. Convidam influenciadores sem qualquer formação acadêmica para opinar sobre economia, sociologia, saúde mental e sexualidade — como se a experiência pessoal fosse evidência universal. A consequência? Uma geração que não lê, mas compartilha; que não estuda, mas repete; que não compreende, mas consome.
Essa banalização do saber transforma a ignorância em ativo político. E o resultado se vê nas urnas.
Candidatos que se apresentam como “homens de bem”, “pais de família”, “defensores da moral cristã” são eleitos com discursos hostis à educação sexual, aos direitos reprodutivos, à liberdade religiosa e à existência LGBTQIA+. Enquanto isso, a ciência é desacreditada, os dados são relativizados, e a Constituição é invocada seletivamente, apenas quando convém ao moralismo de ocasião.
Como bem alertou Hannah Arendt, “o mal se torna banal quando os indivíduos se recusam a pensar”. A banalidade do mal, hoje, veste terno e gravata nos púlpitos, fala com emojis nas redes sociais, e discursa sorrindo no Congresso Nacional. Tudo começa com a recusa à leitura, à dúvida, ao estudo — e termina com a opressão legalizada por maioria de votos.
O Brasil não precisa apenas combater o analfabetismo funcional com campanhas pontuais. Precisa enfrentá-lo como fenômeno estrutural, que alimenta uma engrenagem de poder sustentada por misoginia, racismo e homofobia. É necessário urgentemente:
- Integrar educação midiática e digital nas escolas para ensinar a identificar fake news e discursos de ódio;
- Fortalecer o ensino crítico de filosofia, sociologia e história, para desnaturalizar os preconceitos herdados;
- Valorizar e proteger espaços culturais e religiosos afro-brasileiros como patrimônios vivos;
- Responsabilizar publicamente comunicadores e influenciadores que propagam desinformação e incitam a violência de gênero, religiosa ou sexual;
- E, acima de tudo, recolocar o saber como um valor central da democracia.
Educar, neste cenário, é subversivo. É um ato de coragem. E, paradoxalmente, é o único caminho possível para salvar o país de si mesmo.
Pois enquanto o conhecimento for substituído pela opinião, a ciência pelo achismo, e a fé pela opressão, seguiremos vivendo não uma democracia — mas uma teocracia digital comandada por algoritmos, ignorância e medo.
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