🇨🇭📚🌿Heidi: um conto suíço sobre infância, língua e resistência

 📚 648 palavras • ⏱️ 3 a 4 min de leitura

Toda nação guarda um símbolo que traduz sua alma — para a Suíça, esse símbolo atende pelo nome de Heidi.


Imagem da Internet








Publicada em 1880 pela escritora suíça Johanna Spyri, Heidi narra a comovente história de uma menina órfã de cinco anos, entregue aos cuidados do avô nos Alpes suíços após sua tia aceitar um emprego em Frankfurt, na Alemanha. O velho — rústico, isolado e de temperamento sombrio — aos poucos se transforma com a presença da neta, criando entre ambos um laço delicado e transformador. No entanto, Heidi é levada de volta à cidade para ser a companheira de Klara, uma jovem rica e frágil, órfã de mãe. A transição entre os Alpes e o ambiente urbano de Frankfurt simboliza não apenas uma mudança geográfica, mas um choque de mundos, línguas e modos de viver.


Mais do que uma obra infantil, Heidi oferece um retrato vívido da Suíça do século XIX: um país ainda distante da imagem de prosperidade e ordem que se consolidaria após a Segunda Guerra Mundial. A narrativa revela uma nação marcada pela pobreza, pela dureza do clima e pelas limitações materiais — uma realidade que forjou o espírito resiliente do povo helvético.

Um dos aspectos mais fascinantes da obra está na riqueza linguística que ela evoca. A Suíça, pequena em território, abriga quatro línguas oficiais (alemão, francês, italiano e romanche) e uma infinidade de dialetos. Em Heidi, o contraste entre o alemão padrão (Hochdeutsch), falado em Frankfurt, e o suíço-alemão (Schweizerdeutsch), com suas variações locais, salta aos olhos — ou melhor, aos ouvidos. É um verdadeiro deleite para linguistas e uma pequena tortura para estudantes de alemão, que se veem diante de uma babel de sotaques e estruturas gramaticais que desafiam qualquer lógica.

Mais profundamente, o livro também toca em feridas históricas da sociedade suíça. Um desses pontos é o Verdingkinder — crianças pobres enviadas como trabalhadores forçados para fazendas, em condições muitas vezes abusivas e degradantes. Uma prática esquecida por décadas, mas essencial para compreender os contornos da miséria rural suíça. Outro aspecto pungente é o sentimento de saudade, que, para muitos suíços obrigados a deixar seus vales natais, assumiu contornos patológicos — uma dor semelhante ao banzo dos escravizados africanos nas Américas.

Foto oficial do filme "Heidi"


A mais recente adaptação cinematográfica de Heidi, lançada em 2015, é uma joia contemporânea. Com Bruno Ganz — conhecido por seu papel como Hitler em A Queda — no papel do avô, o filme resgata o lirismo da obra original e oferece uma experiência linguística autêntica: os diálogos transitam entre suíço-alemão, seus dialetos alpinos e o alemão padrão. Um banquete para os amantes da linguística, e um desafio agridoce para quem, como eu, se aventura a estudar o idioma de Goethe.

Heidi não é apenas um clássico infantil. É uma obra atemporal sobre raízes, pertencimento e superação. Uma narrativa doce e comovente que atravessa o tempo e continua a emocionar gerações — e, inevitavelmente, a nos arrancar algumas lágrimas.

Bis bald. Merci!
Pôster Oficial do Filme













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