🙈📖✝️📱A Pátria que Não Lê: Analfabetismo Funcional, Religião e os Grilhões da Ignorância Digital
📄 1.055 palavras • 🕒 5 min de leitura
"Em um país onde livros empoeiram, a fé vira algema e a internet, altar — pensar se tornou um ato subversivo."
O Brasil vive uma tragédia silenciosa e cotidiana — e como toda tragédia bem escrita, há personagens previsíveis, cenários decadentes e um roteiro que se repete como um ciclo vicioso. O protagonista? O analfabetismo funcional. Esse termo de verniz técnico esconde uma chaga social profunda: milhões de brasileiros que leem palavras, mas não compreendem ideias. Que decodificam letras, mas não decifram o mundo.
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Foto de Jaredd Craig na Unsplash |
Segundo o Inaf 2024, quase 3 em cada 10 brasileiros entre 15
e 64 anos são analfabetos funcionais. Isso significa que grande parte da
população vota sem entender propostas, consome informação sem discernimento e
crê sem questionar. O resultado? Um país vulnerável à manipulação, onde o
pensamento crítico é a exceção — e não a meta.
Nos corredores mofados das escolas públicas, nos gabinetes
onde o "compromisso com a educação" é apenas retórica de campanha, e
nos centros urbanos onde bibliotecas fecham as portas, a leitura definha.
Incentivar a formação leitora tornou-se perigoso, quase subversivo. Afinal,
pensar incomoda, questionar ameaça e entender... liberta.
Nesse deserto de pensamento, onde o Estado se ausenta e a escola pública sangra, cresce vigorosa a indústria da fé como substituto da política. Os livros religiosos — hoje campeões de venda — oferecem respostas prontas a uma população cansada de perguntas sem solução. Mas há um preço oculto nesse conforto doutrinário: o apagamento da dúvida e a glorificação da obediência.
Nada contra a fé que consola e amplia. O problema é quando
ela se transmuta em instrumento de controle. Quando líderes religiosos,
carismáticos e muitas vezes milionários, se arvoram como intérpretes exclusivos
da vontade divina e propagam que o lugar da mulher é em silêncio, submissa,
dependente. Trabalhar fora? É desvio de missão. Ter autonomia? Rebeldia contra
Deus. Em templos lotados, multiplicam-se sermões que domesticam a mulher e a
mantêm acorrentada a relações tóxicas, não por amor, mas por temor sagrado.
O enriquecimento desses líderes não é alegórico — é
bancário. Entre jatinhos, redes de rádio e TV próprias, imóveis em nome de
igrejas e fortunas declaradas à Receita Federal, muitos desses pregadores
constroem impérios econômicos blindados por imunidade tributária e pelo
silêncio dos fiéis. É a fé transformada em empreendimento e o púlpito
convertido em palanque. O dízimo, que deveria ser partilha, virou capital de
giro para projetos de poder.
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Foto de Aaron Burden na Unsplash |
O fenômeno é global, mas tem raízes férteis no Brasil: um país com acesso facilitado à internet e educação deficiente torna-se o terreno ideal para que "gurus da verdade" floresçam e se candidatem. A transição é quase natural: do stories ao palanque, da live para o Congresso. Em 2022, ao menos 22 influenciadores digitais se elegeram a cargos legislativos no país — muitos com plataformas baseadas em desinformação, conservadorismo raso e frases de efeito.
A equação é sombria e eficaz: compreensão leitora baixa +
desinformação digital + doutrinação religiosa + influência midiática = uma
sociedade dócil, manipulável e cega diante do abuso de poder.
Herbert Marcuse, em sua crítica à sociedade unidimensional,
já advertia: quando a população não pensa, apenas consome e obedece, a
liberdade se torna uma ilusão bem-embalada. Zygmunt Bauman acrescentaria: em
tempos líquidos, onde tudo escorre — inclusive a verdade — o medo é um ativo
valioso. E quem o controla, governa. Hoje, no Brasil, esse controle está nas
mãos de quem manipula a fé, o algoritmo e a ignorância com a mesma destreza.
A solução não virá com promessas de tablets nas escolas nem
com slogans de campanhas educativas genéricas. Precisamos de uma revolução
educacional de base: incentivar desde cedo a leitura crítica, remunerar com
dignidade os professores, democratizar o acesso à literatura transformadora e
taxar sem piedade os impérios religiosos e digitais que lucram com a alienação.
Educar, hoje, é um ato de resistência.
Enquanto não compreendermos que o verdadeiro milagre é
pensar por conta própria — e não repetir dogmas ou trends — continuaremos
ajoelhados não diante de um Deus libertador, mas da ignorância estrategicamente
cultivada por quem teme perder o controle.
E nesse altar, o sacrifício diário é a liberdade de um povo
inteiro.
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