🙈📖✝️📱A Pátria que Não Lê: Analfabetismo Funcional, Religião e os Grilhões da Ignorância Digital

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"Em um país onde livros empoeiram, a fé vira algema e a internet, altar — pensar se tornou um ato subversivo."

O Brasil vive uma tragédia silenciosa e cotidiana — e como toda tragédia bem escrita, há personagens previsíveis, cenários decadentes e um roteiro que se repete como um ciclo vicioso. O protagonista? O analfabetismo funcional. Esse termo de verniz técnico esconde uma chaga social profunda: milhões de brasileiros que leem palavras, mas não compreendem ideias. Que decodificam letras, mas não decifram o mundo.

Foto de Jaredd Craig na Unsplash

Segundo o Inaf 2024, quase 3 em cada 10 brasileiros entre 15 e 64 anos são analfabetos funcionais. Isso significa que grande parte da população vota sem entender propostas, consome informação sem discernimento e crê sem questionar. O resultado? Um país vulnerável à manipulação, onde o pensamento crítico é a exceção — e não a meta.

Nos corredores mofados das escolas públicas, nos gabinetes onde o "compromisso com a educação" é apenas retórica de campanha, e nos centros urbanos onde bibliotecas fecham as portas, a leitura definha. Incentivar a formação leitora tornou-se perigoso, quase subversivo. Afinal, pensar incomoda, questionar ameaça e entender... liberta.

Nesse deserto de pensamento, onde o Estado se ausenta e a escola pública sangra, cresce vigorosa a indústria da fé como substituto da política. Os livros religiosos — hoje campeões de venda — oferecem respostas prontas a uma população cansada de perguntas sem solução. Mas há um preço oculto nesse conforto doutrinário: o apagamento da dúvida e a glorificação da obediência.

Nada contra a fé que consola e amplia. O problema é quando ela se transmuta em instrumento de controle. Quando líderes religiosos, carismáticos e muitas vezes milionários, se arvoram como intérpretes exclusivos da vontade divina e propagam que o lugar da mulher é em silêncio, submissa, dependente. Trabalhar fora? É desvio de missão. Ter autonomia? Rebeldia contra Deus. Em templos lotados, multiplicam-se sermões que domesticam a mulher e a mantêm acorrentada a relações tóxicas, não por amor, mas por temor sagrado.

O enriquecimento desses líderes não é alegórico — é bancário. Entre jatinhos, redes de rádio e TV próprias, imóveis em nome de igrejas e fortunas declaradas à Receita Federal, muitos desses pregadores constroem impérios econômicos blindados por imunidade tributária e pelo silêncio dos fiéis. É a fé transformada em empreendimento e o púlpito convertido em palanque. O dízimo, que deveria ser partilha, virou capital de giro para projetos de poder.

Foto de Aaron Burden na Unsplash

Mas a fé institucionalizada não é o único vetor da manipulação. As redes sociais deram luz a uma nova casta de oradores: os influenciadores digitais. Em nome da “liberdade de opinião”, propagam discursos simplistas sobre temas complexos — educação, política, saúde, religião — e lucram com a viralização da ignorância. Muitos não possuem formação, mas têm audiência; não leem livros, mas escrevem “verdades absolutas” em 280 caracteres. E em tempos de fake news, quem grita mais alto é quem se elege.

O fenômeno é global, mas tem raízes férteis no Brasil: um país com acesso facilitado à internet e educação deficiente torna-se o terreno ideal para que "gurus da verdade" floresçam e se candidatem. A transição é quase natural: do stories ao palanque, da live para o Congresso. Em 2022, ao menos 22 influenciadores digitais se elegeram a cargos legislativos no país — muitos com plataformas baseadas em desinformação, conservadorismo raso e frases de efeito.

A equação é sombria e eficaz: compreensão leitora baixa + desinformação digital + doutrinação religiosa + influência midiática = uma sociedade dócil, manipulável e cega diante do abuso de poder.

Herbert Marcuse, em sua crítica à sociedade unidimensional, já advertia: quando a população não pensa, apenas consome e obedece, a liberdade se torna uma ilusão bem-embalada. Zygmunt Bauman acrescentaria: em tempos líquidos, onde tudo escorre — inclusive a verdade — o medo é um ativo valioso. E quem o controla, governa. Hoje, no Brasil, esse controle está nas mãos de quem manipula a fé, o algoritmo e a ignorância com a mesma destreza.

A solução não virá com promessas de tablets nas escolas nem com slogans de campanhas educativas genéricas. Precisamos de uma revolução educacional de base: incentivar desde cedo a leitura crítica, remunerar com dignidade os professores, democratizar o acesso à literatura transformadora e taxar sem piedade os impérios religiosos e digitais que lucram com a alienação.

Educar, hoje, é um ato de resistência.

Enquanto não compreendermos que o verdadeiro milagre é pensar por conta própria — e não repetir dogmas ou trends — continuaremos ajoelhados não diante de um Deus libertador, mas da ignorância estrategicamente cultivada por quem teme perder o controle.

E nesse altar, o sacrifício diário é a liberdade de um povo inteiro.


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