🧠👂Por que escutar é um ato político?
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Como Gilles Lipovetsky e os mestres orientais nos ensinam essa arte revolucionária
Vivemos cercados de vozes — gritos nas redes, discursos apressados, opiniões inflamadas. Mas o que falta, justamente, é o espaço do silêncio. Escutar, neste mundo saturado de performance e fala, tornou-se um ato político. Não a escuta que espera a vez de falar, mas aquela que se abre à transformação.
Gilles Lipovetsky, filósofo da hipermodernidade, nos lembra que vivemos sob o império do “eu inflado” — um sujeito autocentrado, treinado para exibir-se, opinar, destacar-se. Escutar, nesse contexto, é um gesto contra a corrente. Um desacato ao narcisismo coletivo. Quem escuta hoje — com presença e profundidade — está, silenciosamente, rompendo com a lógica da superficialidade.
Nas tradições orientais, escutar é mais do que uma habilidade: é uma prática espiritual. O zen-budismo, por exemplo, nos ensina que ouvir é meditação em movimento. Um mestre zen não escuta com os ouvidos apenas — escuta com o corpo, com o tempo, com o vazio. No Japão, a arte marcial Aiki (合気) incorpora essa sabedoria: perceber a intenção do outro para se harmonizar com ela, e não para reagir ou dominar. Ouvir, nesses termos, é acolher sem julgamento, é permitir que o outro exista sem ser interrompido pela ansiedade de resposta.
Lipovetsky e os mestres orientais convergem em um ponto essencial: a escuta é revolucionária porque ela desarma. Em tempos de polarização, ela desmonta certezas. Ao perguntar “por que você acredita nisso?”, abrimos espaço para o humano por trás da ideologia. Ao ouvir a dor por trás da raiva, vemos o medo por trás da agressão. É nesse “entre” — entre o que se diz e o que se cala — que nascem pontes, e não muros.
🧭 Um exercício para o agora:
- Silencie seu roteiro mental, como fazem os terapeutas budistas: ouça como se fosse a primeira vez;
- Repita o que o outro disse com suas palavras — não para concordar, mas para confirmar: “então o que te preocupa é…?”;
- Observe o que não foi dito: a pausa, o tremor, o olhar desviado.
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Foto de Juri Gianfrancesco na Unsplash |
A escuta verdadeira não é passiva. Ela envolve, transforma e cura. E, sobretudo, ela desloca o eu do centro para abrir espaço ao nós.
Como bem sintetiza Lipovetsky: o século XXI não precisa de mais opiniões — precisa de pontes. E pontes só se constroem onde há pilares de escuta.
✨ Gostou da reflexão?
Se a escuta como ato político despertou algo em você, Gilles Lipovetsky tem muito mais a oferecer. Seus livros mergulham fundo nos paradoxos da modernidade, nas tensões entre consumo, individualismo e ética contemporânea. São leituras que desafiam, provocam e esclarecem — sempre com leveza e profundidade.
- A Era do Vazio (1983): Uma análise pioneira sobre o individualismo na sociedade contemporânea. Lipovetsky descreve como as grandes narrativas ideológicas deram lugar ao culto do "eu", do narcisismo e da leveza.
- O Império do Efêmero (1987): Uma obra marcante sobre moda, consumo e estética. Ele mostra como a lógica do efêmero penetrou profundamente na cultura ocidental, tornando a moda uma chave para entender a hipermodernidade.
- A Felicidade Paradoxal: ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo (2006): Lipovetsky investiga como o consumo moderno gera prazer e angústia. Um retrato crítico do “direito à felicidade” como produto de mercado.
- Os Tempos Hipermodernos (2004, com Sébastien Charles): Um ensaio que atualiza a teoria da pós-modernidade, propondo a noção de “hipermodernidade”, marcada pela aceleração do tempo, excesso de informação e fragilidade dos vínculos sociais.
- Da Leveza: rumo a uma civilização sem peso (2016): Uma reflexão poética e filosófica sobre como a leveza (na linguagem, nas relações, na arte, na moda) se tornou o novo ideal da civilização contemporânea.
- A Cultura-Mundo: resposta a uma sociedade desorientada (2009, com Jean Serroy): Analisa o impacto global da cultura digital e do entretenimento na política, na arte e na educação. Ideal para quem quer cruzar cultura e geopolítica.
- Metamorfoses da Cultura Liberal (2021): Uma crítica sofisticada à evolução dos valores liberais, como liberdade, tolerância e autonomia, e seus paradoxos em sociedades de massa e vigilância.
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