🔄 Identidade líquida no LinkedIn: Bauman teria pedido demissão?

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A identidade líquida de Bauman no mundo do trabalho globalizado

Zygmunt Bauman, esse polonês que fez da metáfora líquida o diagnóstico mais afiado da modernidade, talvez nunca tenha pisado em uma multinacional. Mas, se tivesse entrado em uma sala de reunião, provavelmente perguntaria: “Em quantas versões você já teve que se transformar para caber nesse crachá?”.

A globalização do trabalho, com suas maravilhas cosmopolitas e promessas de diversidade, criou também o fenômeno da identidade líquida corporativa — um avatar profissional que se molda, escapa, reaprende e, às vezes, se dissolve.

No vocabulário de Bauman, liquidez não significa liberdade plena, mas a instabilidade permanente. Nada é sólido: nem carreiras, nem vínculos, nem certezas. O que antes era linear (formar-se, ser promovido, aposentar-se) agora virou uma dança frenética de reskilling, networking e personal branding. “Se você não se adapta, evapora” — poderia ser o novo slogan do RH global.


Quando o "ser" vira "parecer ser"

Em um mundo onde o trabalho atravessa fusos, línguas e fusões empresariais, o sujeito precisa constantemente ajustar seu discurso, sua postura, suas entregas. Não se trata apenas de ser bom, mas de parecer alinhado. A performance da identidade — líquida, maleável, exportável — virou requisito tácito nos escritórios virtuais de Tóquio a Toronto.

O trabalhador globalizado é, muitas vezes, um camaleão corporativo. E, como todo camaleão, corre o risco de esquecer sua cor original. O que era para ser interculturalidade vira um teatro de adaptações permanentes. Afinal, quem é você quando o mundo inteiro te observa pela câmera?


Flexibilidade ou ansiedade institucionalizada?

A retórica da flexibilidade, tão valorizada nos processos seletivos, esconde um detalhe desconfortável: a instabilidade emocional que ela impõe. O sujeito líquido precisa estar “sempre pronto”, “sempre conectado”, “sempre reformulando suas metas” — sob pena de ser substituído por alguém mais fluido, mais rápido, mais “agile”.

Foto de charlesdeluvio na Unsplash

Bauman já apontava que, em tempos líquidos, o medo deixa de ser um episódio e vira condição. No mundo do trabalho, isso se traduz em burnout disfarçado de proatividade, em quiet quitting embrulhado como “engajamento estratégico”, em lideranças que falam de empatia com voz de chatbot.



Pertencer ou apenas ocupar?

As empresas dizem querer diversidade, mas muitas vezes esperam uniformidade no comportamento. O profissional global precisa ser “adaptável”, mas nunca “desconfortável”. Precisa ter “voz”, mas com modulação institucional. É o paradoxo moderno: queremos talentos autênticos desde que se expressem no idioma do manual de conduta.

Nesse cenário, a identidade se torna um ativo de marketing pessoal, em vez de uma construção sólida e contínua. O indivíduo vive entre hashtags e frameworks, tentando pertencer a organizações que nem sempre sabem quem são, ou o que valorizam de verdade.


E então: como não evaporar?

A resposta baumaniana não é fácil — e talvez não seja corporativamente viável. Mas vale como bússola: reconstruir solidez nas relações, nos propósitos e nas escolhas. Exigir tempo para pensar, espaço para ser e coragem para não caber em todo molde.

O trabalhador do século XXI precisa de fluidez, sim — mas também de âncoras éticas, comunidades reais e um senso de identidade que sobreviva ao próximo update de performance.

Porque no fim das contas, nem toda liquidez é liberdade. Às vezes, é só uma forma elegante de dissolução.


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