E como você lida com a frustração?

 

O sentimento de frustração está intimamente ligado a geração de uma expectativa. Por vezes se espera o mínimo, o básico. Por vezes depositamos uma grande expectativa, como se algo grandioso fosse ocorrer, por uma promessa gerada, velada ou algo que criamos em nossa cabeça. A não entrega desta expectativa, gera a frustração.

Lidar com a frustração faz parte da nossa trajetória como ser humano e social. Não podemos exigir que todos ao nosso redor sigam as mesmas regras, valores e anseios que temos. Ouso dizer que se o mundo assim o fosse, seria completamente enfadonho. Lidar com a frustação é um processo de autoconhecimento, de aceitação do outro, de compreensão do mundo e até mesmo de que temos sentimentos.

Na minha solidão como ser humano, dentro do entendimento que possuo da antropologia e com experiências pessoais, tento não criar expectativas sobre as coisas e pessoas. Não exijo que minha mente, antecipadamente, deduza situações, comportamentos. Apenas ouço e vejo. É um processo de aprendizado que tento, na medida do possível, produzir menos caos na minha mente.

Entretanto, há questões que considero como mínimas a serem aceitas (minimum standards), considerando que somos seres sociais, muito antes de sermos seres pensantes. Há uma série de regras, considerando aspectos culturais e sociais, que precisam ser seguidos para que possamos cada vez mais construirmos conexões e manter relações. Nossas ações individuais afetam o meio social em que vivemos. Ter esta percepção é um fator sine qua non para qualquer indivíduo.


Por outro lado, é uma tarefa difícil não se frustrar por algo. Unicamente porque todo ser humano é falho, logo, todos podem em algum momento não atender alguma expectativa criada – seja esta expectativa gerada pela magnífica máquina cerebral que possuímos, seja pela simples expectativa do cumprimento de uma regra básica. Lidar com a frustração é uma questão de inteligência emocional. É uma soft skill, que você pode sim treinar e adquirir ao longo do tempo. Você pode aprender a gerenciar a frustação, reduzir o nível da expectativa com o outro, mesmo para aqueles padrões mínimos. Pode aprender a não internalizar, não tratar como algo pessoal se culpar ou terceirizar a culpa por este sentimento.


Muito embora eu tente não criar expectativas sobre algo novo, me frustra profundamente quando as pessoas ignoram sumariamente o básico das relações sociais. Não estou falando aqui das pessoas que não utilizam honoríficos ao falar uma língua, ou mesmo que conjugam incorretamente os verbos, não sabem a diferença entre conserto e concerto, mais e mas. Estou aqui falando do básico no tratamento com o outro, principalmente no ambiente de trabalho. A gente meio que sabe que a vida é como uma selva e somos animais, menos sapiens do que imaginamos ser. Adoro uma frase do antropólogo francês Franz Boas, em seu livro Antropologia Cultural - “​O grande abismo entre o comportamento social animal e o humano aparece apenas naquilo que chamamos de relações subjetivamente condicionadas."; Boas traz a indiscutível condição do homo sapiens em ter a necessidade ter um conjunto de regras para se estabelecer uma racionalidade e ordem social. Para isso temos as leis. No ambiente de trabalho foi criado algo parecido ao que temos no Vade Mecum, um conjunto de regras de comportamento. Algumas empresas chamam de Código de Conduta, outras de Manual do Colaborador, outras dividem cada tópico em diferentes documentos que vão desde o recomendável para se vestir, que tipo de informações cada nível de empregado tem acesso, políticas de Diversidade e Inclusão etc. Todos esses documentos possuem uma única função: dizer o que pode e o que não pode ser feito por um empregado. Aquilo que é aceitável e inaceitável, com base nos valores corporativos de cada empresa.

Quando digo que me frustro com a quebra do básico das relações sociais, no fundo eu poderia resumir na quebra deste contrato social corporativo. Até porque, você não precisa estar neste ambiente que talvez possa ser tão distante de seus valores pessoais. O faz por livre e espontânea vontade, ou necessidade financeira.  Étienne de La Boétie, um filósofo francês, em seu livro Discurso da Servidão Voluntária, disse algo assim – “A liberdade da servidão não vem da ação violenta, mas da recusa em servir.”; logo, se você se não se identifica com os valores da empresa, busque outro lugar mais alinhado ao que você pensa e gosta de externalizar. Se você está neste lugar por necessidade financeira, busque melhoria para mudança. Para os dois casos, não tente desempenhar uma intentona contra as políticas internas. Isso somente gera o caos e um grande trabalho aos gestores e RHs.

Imagine você trabalhar e uma empresa que possui políticas claras e ações efetivas de diversidade e inclusão, com planos de redução de gases do efeito estufa e um alinhamento com diversas das metas da ONU. Entretanto, você é um alecrim dourado que acredita na terra plana, de que não há aquecimento global e acha que é mimimi ou bobagem promover a proteção, liberdade e respeito a pautas de gênero, inclusão de minorias como povos nativos, de comunidade afrodescendente e empoderamento feminino. Se isso te fere, sinta-se à vontade a escrever sua carta de desligamento. Não há um meio termo para isso.

Mas o pico da minha frustração vem quando as gestões visualizam este tipo de comportamento, que muitas vezes fere até mesmo membros do próprio time, mas passa pano. A mensagem transmitida nesse ato tão pequeno é tão grandiosa e perversa, que é tema de estudo nas maiores universidades do mundo. Pedindo a devida licença aos estudiosos da psicologia, e fazendo uma analogia a alguns estudos de Skinner e Schultz, estudiosos do comportamento e que basearam suas teorias no comportamento estímulo-resposta, gostaria de tecer alguns comentários, bem básicos e rudimentares. Você já deve ter visto aqueles cachorros lindos e fofos no aeroporto, em busca de algo ilícito como entorpecentes entre as malas e encomendas. Ou mesmo bravos cães em busca de desaparecidos, após uma tragédia climática, terremoto ou mesmo acidente. O treinamento desses animais se baseia nesta teoria de Skinner. Toda vez que o animal localiza algo, seja um ilícito, uma bomba, uma pessoa, ele ganha um petisco ou seu brinquedo favorito. Estimulado a ter um comportamento específico, caso tenha sucesso, ganha o prêmio (resposta).

Como disse, somos animais e este comportamento dos cachorros é exatamente aquele que também temos. Seja ele em nossa vida pessoal, com os relacionamentos com familiares, com nossos parceiros e ciclos de amizade, seja em nosso ambiente de trabalho. Se você, neste momento, começou a pensar naqueles colegas de trabalho que você adora, que não vê a hora de ir ao escritório para vê-lo e até mesmo marca atividades juntos nos fins de semana, mas também lembra daqueles que se você tivesse a oportunidade, trabalharia em um andar diferente... Sim, a psicologia ajuda a compreender este sentimento.

Mas o que Skinner tem a ver com a frustração e até mesmo com a desmotivação no ambiente corporativo? Tudo!

Quando um empregado tem uma atitude ou comportamento que agride membros do time, ou mesmo é contra a própria política da empresa e mesmo assim não recebe nenhuma repreensão, a resposta a este comportamento é simples: Ok, você pode repetir o mesmo comportamento da próxima vez! - É como se essa pessoa recebesse o petisco, o brinquedo favorito. E a pessoa irá repetir o comportamento tantas e quantas vezes desejar. Outro problema é que, depois que ela recebeu a recompensa, é mais difícil mudar o comportamento, pois ela está acostumada aos estímulos. É como um círculo vicioso de fazer/dizer o que quer, não ser repreendida. Sim, se você é um gestor e está tentando educar alguns subordinados que anteriormente tiveram comportamentos não amigáveis, sabe muito bem que é um processo longo e desgastante, para todos. Garanto que na sua primeira vez repreendendo ouviu: “Mas nunca ninguém reclamou isso de mim”, “Em outro momento não fui repreendida desta forma”. Ouso dizer que vai você terá até mesmo de lidar com um jogo psicológico de vitimismo, talvez até com um teatro digno de musical da Broadway.



A desmotivação no time pode começar a aparecer com sentimentos gerados falta de acolhimento, de não pertencimento, de rejeição, insegurança com os membros da equipe e claro, a cereja do bolo! -  O baixo desempenho individual e o caminho para o baixo desemprenho da equipe. Nenhuma equipe de alto desempenho existe com este tipo de comportamento. Você, como gestor, pode até atingir um período de rendimento satisfatório e/ou alto, mas não há como este número ser mantido por um longo período. Se você tiver indivíduos altamente comprometidos, no geral essas pessoas passarão engolir esses problemas, jogando a sujeira para debaixo do tape. O problema é que a médio e longo prazo estarão doentes. Ansiedade, problemas estomacais, de pele, alto nível de stress, distúrbios de alimentação, depressão e Burnout são apenas alguns dos exemplos. Não se bebe por tanto tempo uma água contaminada e sai ileso.


E como eu comecei a falando sobre frustração, passei por Skinner e encerro dando um puxão de orelha nos gestores? Porque são assuntos que estão conectados. Você, como gestor, talvez não seja o responsável direto pelo desenvolvimento dos indivíduos de seu time, sabe aquela coisa de pegar na mão e falar “amado, faz um treinamento de excel, faz esse treinamento aqui, outro ali”, mas é responsável direto pelo mal e mau comportamento dos indivíduos de sua equipe. Se eles não se comportam adequadamente com seus pares dentro e fora do seu time, você precisa intervir imediatamente fornecendo orientação adequada e acompanhar este comportamento através de feedbacks constantes.


Agora se esse comportamento é recorrente, você já forneceu diversas orientações, feedbacks, mas as coisas não melhoram... Volte no meu texto anterior que dou dicas sobre o que fazer.


Imagens: Canva Pro

 

 



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