🧠✨ Marketing pessoal em tempos de liquidez: entre o necessário e o insuportável
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Sim, o marketing pessoal é necessário. O problema começa quando a arte de se apresentar vira a arte de vender água como se fosse vinho, e ainda cobrar caro pela taça.
Vamos esclarecer: este texto não é um manifesto anti-marketing ou anti-coaching. Ambas as práticas têm seus méritos quando usadas com propósito e ética. A questão aqui é outra — é o uso indiscriminado de fórmulas vazias para empacotar o óbvio como se fosse inovação disruptiva, enquanto banalizamos tudo que é cotidiano e útil.
Nas redes sociais, onde todo mundo virou CEO de si mesmo, é fácil se perder. Especialmente no LinkedIn, onde retomei minha presença recentemente, e notei: há quem venda ideias com vocabulário pomposo, sem explicar o mínimo. São palestras disfarçadas de posts, com uma overdose de buzzwords em inglês e uma completa ausência de conteúdo. Parece que o objetivo é mais performar sabedoria do que compartilhar conhecimento.
Veja bem: um “coach” tem mais prestígio que um treinador, “networking” parece mais poderoso que uma simples rede de contatos. E tudo vira um mantra em modo comando: execute, sonhe, gere, conquiste. Durma 4 horas por dia e seja um “winner” com um “mindset” adequado para “lifestyle changes”. Só não se esqueça de usar uma ferramenta de “assessment” antes de respirar.
O problema? A supervalorização de soluções genéricas para dilemas complexos. Muitos coaches invadem áreas da psicologia sem formação adequada, vendem promessas vazias e confundem autoestima com negação da realidade. Vendem “parole” (palavras) sem “praxis” (ação efetiva). E o pior: cobram caro por isso.
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É importante lembrar que as origens do coaching vêm da psicologia positiva, como as pesquisas de Martin Seligman, que propôs que a percepção de controle sobre a própria vida é fundamental para o bem-estar. Entretanto, essa teoria foi desfigurada para caber em qualquer contexto, ignorando fatores como desigualdade, desemprego estrutural e crises econômicas. Não dá pra “manifestar” um emprego em um setor em colapso.
O professor Christian Dunker, da USP, acerta em cheio ao dizer que o coaching pode mascarar problemas sérios com frases feitas. E aí está o perigo: você acha que está sendo ouvido, mas só está sendo manipulado. Num país com a maior taxa de ansiedade do mundo e com altíssimos índices de depressão, é preocupante ver como banalizamos o sofrimento humano e delegamos soluções a fórmulas milagrosas.
O coaching, nesse formato pasteurizado, parece mais preocupado em criar culpados individuais do que reconhecer a complexidade sistêmica da sociedade. Ignora-se o contexto, a história e o coletivo — e a culpa pelo fracasso é sempre sua, por “não ter acreditado o suficiente”.
Talvez esteja na hora de retomarmos o controle. Planejar, sim. Traçar metas, ótimo. Mas sem cair na armadilha de pagar por aulas que ensinam como conquistar um príncipe encantado — spoiler: ele pode nem existir. E nem tudo que é grandioso tem valor — até um cargueiro cheio de contêineres vazios pode parecer imponente.
Nota:
Este artigo foi originalmente escrito em 2018, antes da pandemia de Covid-19. O estudo mais recente da Organização Mundial da Saúde (OMS), com base em dados de 2020 — ainda no início da pandemia — confirma o Brasil como o país com a maior taxa de transtornos de ansiedade no mundo. Já os dados mais atuais sobre depressão, divulgados pela Associação Brasileira de Psiquiatria, posicionam o Brasil em primeiro lugar no ranking da América Latina.
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