🌫️ A menina que nasceu no verão, mas vivia no outono

📚 559 palavras • ⏱️ 3 min de leitura

Ela nasceu em um domingo de verão, no Carnaval, mas odiava o calor e o sol forte. Também odiava o Carnaval, porque, para ela, bastavam as máscaras usadas pelas pessoas no dia a dia. Seus dias preferidos eram os cinzentos de outono, cujo aconchego vinha de seu quarto entulhado de livros que contavam algo sobre os mais diversos lugares do mundo, nos mais diversos idiomas.

O conforto vinha do imenso tapete de pele que cobria o chão daquele universo que era só dela, da enorme peça feita de lã de carneiro estendida sobre a cadeira onde passava horas em frente à escrivaninha, papeando com seus pensamentos. Ela não era uma figura usual.

Nunca foi de discutir ou contra-argumentar. Fazia o que achava que devia, quase sempre porque alguém esperava isso dela. E, com o tempo, consentindo mais do que escolhendo, passou a gastar mais energia com os desejos alheios do que com os seus próprios. Sua voz foi ficando mais baixa. Seu olhar, mais murcho.

Mas ela tinha o seu quarto. Seu tapete de pele. Seus lápis de cor alemães, suas canetas em gel japonesas (todas de ponta fina), um tímido jogo de pincéis de shodô. E por isso, ela achava que não se sentia tão só. Ao menos, era o que imaginava.


Imagem do Wix

Ela se acostumou a não se expressar muito. A conviver com o turbilhão mental que nunca cessava. Enquanto parecia quieta para o mundo, sua mente era uma assembleia geral da ONU debatendo conflitos globais, especulando sobre arquivos roubados de Nikola Tesla, sonhando com o mundo que ele poderia ter inventado — se o mundo tivesse sido menos cruel com seus gênios.

E nesse mundo de silêncio e concessões, ela se via só. Incapaz de dizer o que sentia. Para o mundo, era uma heroína imbatível: não se cansava, não tinha fraquezas, era autossuficiente até para o amor.

Mas então ela se apaixonou. E passou a sofrer, não por não ser correspondida, mas por não saber como aceitar o afeto.

Descobriu que não sabia abraçar. Que beijar por muito tempo a deixava desconfortável. Que ouvir um "eu gosto de você" gerava nela um impulso quase automático de quebrar o clima com alguma ironia. Descobriu que não sabia dormir de conchinha, nem ficar abraçada por muito tempo, ou recostar a cabeça no ombro dele durante um filme. Que não sabia pedir, mesmo quando seu coração gritava em silêncio para que ele ficasse mais um pouco.

Porque aquela presença a acalmava. O olhar dele a acalmava. O sorriso dele, também.
 
Imagem do Wix


Comentários

Postagens mais visitadas