A menina com casco de tartaruga

Ela nasceu em um domingo de verão, no Carnaval, mas odiava o calor e o sol forte. Também odiava carnaval, porque para ela, bastavam as máscaras usadas pelas pessoas no dia-a-dia. Seus dias preferidos eram os cinzas, de outono, cujo aconchego vinha de seu quarto entulhado por livros que contavam algo sobre os mais diversos lugares do mundo, nos mais diversos idiomas. O aconchego vinha do imenso tapete de pele que ela tinha no chão daquele mundo que era só dela, da imensa peça feita de lã de carneiro que se estendia em toda a sua cadeira, na qual ela passava horas, em frente a escrivaninha, e que ficava boa parte do tempo papirando. Ela não era tão usual.

Ela nunca foi muito de discutir ou contra argumentar, ela fazia aquilo que achava que deveria fazer, unicamente porque alguém demandava à ela. Com o passar do tempo, com a quantidade de vezes que ela consentia, passava mais tempo fazendo coisas dos outros do que para si. Sua voz foi ficando sempre mais baixa, seu olhar foi ficando cada vez mais baixo. Mas ela tinha o seu quarto, seu tapete de pele e um bocado de lápis de cor de marcas alemãs, seu conjunto de canetas em gel japonesas (todas com escrita fina), um tímido jogo de pincéis de shodô e por isso, ela não se sentia tão sozinha, ao menos ela imaginava. 

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Ela se acostumou a não se expressar muito, a lidar com a imensa confusão e debate que existia em sua mente. Enquanto ela se demonstrava quieta para o mundo, em sua cabeça havia uma assembleia geral da ONU discutindo sobre os mais variados conflitos globais. Especulando sobre os arquivos roubados de Nicola Tesla e sobre como seria o mundo de hoje caso ele, para ela um dos maiores inventores do mundo, tivesse tido sucesso com suas invenções e não tivesse morrido tão precocemente.

E nesse mundo de se acostumar à tudo, de não aprender a dizer não, ela se via só e incapaz de dizer o que sentia. Ao mundo, ela era quase uma heroína imbatível, nunca se cansava, não tinha fraquezas, era auto suficiente para tudo, até para o amor. E nesse mundo de não saber se impor, ela se apaixonou e passou a sofrer, unicamente porque não sabia aceitar esse amor, não sabia aceitar o afeto.

Ela descobriu que não sabia abraçar, que não sabia beijar por muito tempo, que não sabia ouvir "eu gosto de você" sem dizer algo que pudesse quebrar o clima fofo que foi gerado por aquela frase. Ela descobriu que não sabia dormir de conchinha, que não sabia ficar abraçada por um tempo, ou recostar a cabeça no ombro dele enquanto assistia um filme, que não sabia pedir, mesmo que seu coração gritasse desesperadamente que queria passar mais um tempo com ele, unicamente porque aquela presença a acalmava, o olhar dele a acalmava, o sorriso dele a acalmava.  
 
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